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10 DE JULHO DE 2025
Artigo – Usucapião: elementos essenciais e exigências jurídicas

A usucapião é um instituto jurídico de grande relevância no ordenamento brasileiro, cuja função social é promover a regularização fundiária e a consolidação de situações possessórias consolidadas pelo tempo. Trata-se de uma forma originária de aquisição da propriedade, baseada na posse prolongada e ininterrupta, observados os requisitos legais específicos.

Conceito e finalidade

A usucapião é uma forma originária de aquisição da propriedade, prevista no ordenamento jurídico brasileiro, que se funda no exercício prolongado da posse sobre bens móveis ou imóveis, desde que observados os requisitos legais. A posse deve ser exercida de forma contínua, pacífica e com ânimo de dono, pelo tempo determinado em lei..

O instituto confere segurança jurídica a situações fáticas consolidadas, funcionando como mecanismo de efetivação do direito à moradia e à função social da posse. Trata-se, ainda, de um importante instrumento de regularização fundiária e de inclusão patrimonial de pessoas que, embora possuam o bem há anos, não dispõem de título formal registrado.

Conforme entendimento da doutrina, a usucapião constitui uma forma originária de aquisição da propriedade, pois a titularidade é adquirida diretamente pela posse, sem dependência da validade dos registros anteriores. Nesse sentido, Marinoni, Arenhart e Mitidiero (2023) esclarecem que, justamente por sua natureza originária, eventuais vícios na cadeia dominial anterior não se transmite ao novo proprietário, o que reforça a confiabilidade jurídica do instituto. Ressaltam, ainda, que a usucapião não se limita a bens imóveis, podendo também alcançar bens móveis e até incorpóreos, como linhas telefônicas e servidões prediais (artigo 1.379 do Código Civil).

O Código Civil de 2002, a Constituição (artigo 183) e a Lei nº 6.969/81 regulam as diversas modalidades de usucapião, cada uma com requisitos específicos, voltados a diferentes realidades — como zonas urbanas e rurais, situações familiares ou de boa-fé na posse.

Requisitos gerais

Apesar das diferentes espécies de usucapião, há elementos que se repetem em todas elas:

  1. Idoneidade do bem: o bem precisa ser suscetível de usucapião. Em regra, apenas bens de natureza privada podem ser adquiridos por esse meio. Bens públicos, por expressa vedação legal (artigo 183, §3º, e artigo 191, parágrafo único, da CF), não são passíveis de usucapião.
  2. Posse mansa, pacífica e contínua: é necessário que a posse seja ininterrupta, sem oposição de terceiros e exercida como se o possuidor fosse o verdadeiro proprietário (com animus domini). A interrupção ou disputa pela posse pode inviabilizar a pretensão.
  3. Lapso temporal: o prazo mínimo de posse varia conforme a modalidade de usucapião — podendo ser de 2 a 15 anos — e deve ser cumprido de forma contínua, sem abandono ou interrupções jurídicas.

Modalidades de usucapião

  • Usucapião extraordinária

Não exige justo título nem boa-fé. É necessária a posse contínua por 15 anos, podendo o prazo ser reduzido para 10 anos se houver residência habitual ou realização de obras ou serviços produtivos no local, conforme o parágrafo único do artigo 1.238 [1] do Código Civil.

Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento dos REsp repetitivos 1.667.842 e 1.667.843, decidiu que não se pode negar a usucapião extraordinária pelo simples fato de a área usucapienda ser inferior ao módulo estabelecido por lei municipal (relator ministro Luis Felipe Salomão, 2ª Seção, j. 03.12.2020). Tal decisão reforça a prevalência do direito constitucional à moradia e à propriedade sobre normas meramente formais que imponham limitações desproporcionais.

  • Usucapião ordinária

A usucapião ordinária exige a comprovação de justo título e boa-fé por parte do possuidor. Nessa modalidade, é necessário que o ocupante exerça a posse de forma pacífica, contínua e com ânimo de dono por, no mínimo, dez anos. O prazo pode ser reduzido para cinco anos se o imóvel tiver sido adquirido onerosamente, com registro posteriormente cancelado, desde que o possuidor nele tenha estabelecido sua residência habitual ou tenha realizado investimentos de caráter social e econômico relevantes, conforme dispõe o artigo1.242 [2], parágrafo único do Código Civil.

  • Usucapião especial urbana

Diferencia-se das demais modalidades principalmente pelo prazo reduzido exigido para o exercício da posse. Enquanto outras espécies demandam períodos mais longos — como 10 ou 15 anos —, essa modalidade requer apenas cinco anos de posse contínua, mansa e pacífica, desde que o imóvel, com área de até 250m², seja utilizado para moradia do possuidor e de sua família, e que este não seja proprietário de outro bem imóvel, seja urbano ou rural. Essa previsão encontra amparo no artigo 183 da Constituição e no artigo 1.240 [3] do Código Civil, refletindo a preocupação do legislador com a efetivação do direito à moradia nas áreas urbanas.

Ademais, a jurisprudência tem exercido papel fundamental na consolidação do instituto. O Supremo Tribunal Federal, em julgamento com repercussão geral, firmou entendimento de que o reconhecimento da usucapião especial urbana não pode ser obstado por legislação infraconstitucional que limite o tamanho do lote, desde que preenchidos os requisitos do artigo 183 da Constituição (RE 422.349, relator ministro Dias Toffoli, Pleno, j. 29.04.2015).

  • Usucapião especial rural

Regida pelo artigo 1.239 [4] do Código Civil, contempla aquele que, por 5 anos ininterruptos, sem oposição, possuir área rural de até 50 hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, e que não possua outro imóvel.

  • Usucapião Familiar

Introduzida pelo Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01) e pelo artigo 1.240-A do Código Civil, permite que o cônjuge ou companheiro abandone o lar e o outro exerça a posse exclusiva por dois anos, em imóvel de até 250m², como sua moradia, podendo pleitear a propriedade integral do bem.

Procedimentos judicial e extrajudicial

A usucapião pode ser promovida por duas vias distintas: a judicial, por meio de ação própria perante o Poder Judiciário, e a extrajudicial, diretamente no cartório de registro de imóveis. A escolha entre os dois caminhos dependerá da situação concreta, especialmente quanto à existência de consenso e à regularidade documental.

Segundo Marinoni, Arenhart e Mitidiero (2023), a usucapião possui natureza meramente declaratória, ou seja, “não é pelo procedimento (judicial ou extrajudicial) de usucapião que o interessado adquire a propriedade do bem em questão. A demanda se limita a certificar a anterior aquisição da propriedade — que se deu a partir do momento em que foram reunidos os requisitos para tanto”. Os autores explicam que, por isso, é possível alegar usucapião até mesmo como matéria de defesa, sendo aceito pela jurisprudência que os requisitos legais possam ser implementados ao longo do processo destinado ao seu reconhecimento.

  • Via judicial

A ação de usucapião é o procedimento tradicionalmente utilizado para o reconhecimento da aquisição da propriedade pela posse prolongada. Conforme o artigo 1.071 do Código de Processo Civil de 2015, a ação segue o rito procedimental comum, com possibilidade de ampla produção probatória, citação de confrontantes e interessados, manifestação do Ministério Público, e, ao final, decisão judicial declarando o domínio em favor do autor. Essa via é recomendada nos casos em que:

  1. há disputa sobre a posse ou o domínio do imóvel;
  2. existe ausência de documentos suficientes para o procedimento extrajudicial;
  3. surgem interessados desconhecidos ou incertos que precisam ser citados por edital;
  4. a planta e memorial descritivo não estão assinados por todos os confrontantes.

Mesmo sendo um procedimento mais demorado, a via judicial garante ampla defesa e segurança jurídica, principalmente quando há resistência ou omissão dos demais envolvidos.

  • Via extrajudicial

A possibilidade de reconhecimento da usucapião por meio extrajudicial foi introduzida no ordenamento jurídico com o advento do Código de Processo Civil de 2015, que, ao incluir o artigo 216-A na Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/73), passou a permitir que o pedido seja feito diretamente no cartório de registro de imóveis, desde que preenchidos os requisitos legais e não haja litígio ou oposição de terceiros.

Para que o procedimento seja viável, é indispensável que o requerente esteja representado por advogado e que o pedido seja instruído com os documentos exigidos no próprio artigo 216-A, dentre os quais se destacam:

  1. Ata notarial, lavrada por tabelião de notas, atestando o tempo de posse do requerente e de seus antecessores, bem como as circunstâncias do exercício da posse;
  2. Planta e memorial descritivo do imóvel, assinados por profissional legalmente habilitado, com comprovação de responsabilidade técnica, e com a assinatura dos confrontantes;
  3. Certidões negativas dos distribuidores da comarca do imóvel e do domicílio do requerente;
  4. Justo título, se houver, ou outros documentos que comprovem a origem, continuidade, natureza e tempo da posse, como pagamentos de impostos e taxas incidentes sobre o imóvel.

O procedimento é mais célere e menos oneroso que a via judicial, mas exige consenso entre os envolvidos e documentação robusta. Caso haja impugnação ou qualquer irregularidade, o oficial do registro de imóveis deve remeter o procedimento ao juiz competente, convertendo-o em processo judicial.

Trata-se, portanto, de uma alternativa eficiente para a regularização da propriedade, especialmente em casos nos quais a posse se encontra consolidada e há disponibilidade de documentação completa e válida.

Ambas as vias — judicial e extrajudicial — exigem atenção técnica e cautela na instrução probatória. A via administrativa, embora mais célere, exige consenso e documentação robusta. Já a judicial, embora mais complexa, é a via adequada quando há litígio ou obstáculos à via cartorária.

Portanto, cabe ao profissional do direito avaliar a situação concreta, identificar a modalidade de usucapião adequada e escolher o procedimento mais eficaz para atingir o reconhecimento do domínio, promovendo a regularização da propriedade e a segurança jurídica do possuidor.

Considerações finais

Este artigo teve por objetivo apresentar, de forma objetiva, os elementos essenciais e exigências jurídicas da usucapião, destacando sua relevância como mecanismo de aquisição originária da propriedade. Ao legitimar posses prolongadas e consolidar situações de fato, o instituto cumpre função social relevante, promovendo a regularização fundiária e contribuindo para a efetividade do direito à moradia.

Foram abordadas as principais modalidades legais, bem como os requisitos comuns a todas as espécies, como a idoneidade do bem, a posse qualificada e o lapso temporal. Além disso, examinou-se a possibilidade de reconhecimento da usucapião tanto pela via judicial, mais adequada em situações de litígio, quanto pela via extrajudicial, indicada nos casos de consenso e posse bem documentada.

Destacou-se, ainda, a natureza declaratória da sentença ou do ato registral, que apenas reconhece uma aquisição já consumada no tempo, desde que preenchidos os requisitos legais. Essa característica reforça a importância da atuação jurídica qualificada na análise do caso concreto e na instrução adequada do pedido.

Portanto, a usucapião se revela como instrumento essencial de justiça social e segurança jurídica, viabilizando o acesso formal à propriedade para inúmeros cidadãos que, embora não detenham título registrado, exercem de forma legítima e contínua a posse de seus bens. Cabe aos operadores do Direito utilizar esse instrumento com responsabilidade técnica e sensibilidade social, promovendo o equilíbrio entre legalidade, função social da propriedade e cidadania.

Fonte: Conjur

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